24 Heures du Mans 1973 - Matra: a Confirmação



Revista Motor nº 13 - 15 de junho de 1973 
(Diretor A. Ruella Ramos; orientação técnica J. Filipe Nogueira)

24 Heures du Mans 
Matra: a confirmação 

Capa da Revista Motor nº 13, de 15 de junho de 1973


O arranque do mundial de sport-protótipos de 1973 foi atípico. 
Ao contrário de anos anteriores, nas rondas americanas da resistência, 24 Horas de Daytona e 12 Horas de Sebring, das quais só a primeira prova contava para o Campeonato do Mundo de Construtores,  foi o Porsche Brumos Carrera RSR de Peter Gregg e Hurley Haywood (acompanhados na segunda prova por Dave Helmick), o vencedor. Esta última prova apenas contava para o Troféu Triplo da Resistência composto pelas duas provas de resistência americanas e pelas 24 horas de Le Mans. 
Só a partir de Março de 1973, nas 6 Horas de Vallelunga, as equipas e marcas europeias candidatas ao título nos carros de sport,  Ferrari, Matra, Mirage e Porsche começaram a alinhar regularmente nas provas do campeonato. Em jogo estava o prestígio, pois qualquer delas apresentava-se com palmarés e tradição no campeonato. A Ferrari desejava repetir o domínio demonstrado em 1972 quando os ágeis 312 P tinham dominado as provas do mundial, à exceção das 24 Horas de Le Mans, onde não haviam alinhado. A Matra, vencedora finalmente, em 1972, da prova francesa, procurava confirmar essa vitória e demonstrar que o seu modelo, o 670 B, além de resistente era tão rápido como os Ferrari, dominadores das provas mais curtas. A Mirage, representante da experiência e saber acumulado da equipa de John Wyer, cuja primeira vitória em Le Mans acontecera em 1959 com o Aston Martin DBR1 de Carroll Shelby e Roy Salvadori, procurava reeditar a gesta épica dos GT 40 e as façanhas inesquecíveis dos anos de 1968 e 1969. Finalmente a Porsche surgia como outsider,  apenas candidato de segunda linha ao título,  dado que o Carrera RSR da Martini Racing só em condições especiais de traçado, como no Targa Florio, tinha possibilidades reais de vitória. 
Às duas vitórias da Matra em Vallelunga e Dijon, a Ferrari respondeu com duas vitórias também em Monza e no Nurburgring, intercaladas pelos sucessos da Porsche na Sicilia e do Mirage-Gulf em Spa, corrida marcada por golpes de teatro mas também pela prestação vitoriosa, na classe de protótipos de 2 litros, do Lola BIP dos portugueses Carlos Santos e Santos Mendonça que concluíram a prova no 6º lugar da geral, logo atrás do "super" Porsche Carrera RSR de Gijs Van Lennep e Herbert Muller. 

Chegava-se, então, à prova de Le Mans nos dias 9 e 10 de junho de 1973. O mundo ocidental gozava ingenuamente os últimos meses de prosperidade antes da guerra de Yom Kippur e dos duros efeitos  da primeira crise petrolífera, que  ditaria o fim dos trinta gloriosos anos de crescimento da economia mundial. As tropas americanas retiravam aliviadas das terras da Indochina, divididas entre o ímpeto irresistível dos exércitos norte vietnamitas, animados pelos acordos de Paris, e a desfavorável opinião pública interna norte americana.
Disputou-se a prova Mancelle, naquele fim de semana, corrida que era para mim, sem dúvida, na época, a mais esperada do ano, aquela que me faria ficar acordado durante a noite, à espreita dos curtos flashes da Rádio Renascença, que de hora a hora iam informando os mais fanáticos adeptos sobre o andamento da prova, já que, na altura, a RTP, era imprevisível nas suas opções de programação do desporto automóvel.

O artigo que aqui se reproduz, é como se diz mais acima, a transcrição da reportagem publicada na 6ª feira seguinte, dia 15 de junho, no número 13 da revista Motor, reportagem conduzida por Luc Augier e com fotografias de José Teixeira, a páginas 24 a 37 da revista, numa das peças de jornalismo mais interessantes que até hoje consegui ler em publicações nacionais.
Porque é um relato jornalístico de grande interesse para todos os amantes das corridas de resistência e revela um envolvimento profundo, de quem escreve com o objeto da sua escrita, considero que não é justo manter escondido e inanimado o relato desta interessante corrida. Revela-se assim aos amantes do automobilismo de competição esta interessante narrativa que merece fazer parte do património do jornalismo e da literatura desportiva nacional, mesmo que escrita, na época, por um jornalista francês.


Artigo
24 Horas de Le Mans: seis líderes diferentes e o vencedor (Matra) com problemas crónicos 
Luc Augier

Nesta reportagem apareciam em destaque nas páginas interiores da revista, diversos comentários elogiosos da forma como os principais protagonistas se tinham batido ao longo da corrida: Seis leaders diferentes e o vencedor Matra com problemas crónicos, ou A Ferrari deixou o circuito de La Sarthe de cabeça levantada. Em legenda da fotografia de início da reportagem lia-se, ...Poucas vezes se viu luta tão cerrada e prolongada entre duas marcas no decorrer das 24 Horas de Le Mans. 

O aperitivo estava servido, para os leitores mergulharem nas peripécias da corrida que o autor iniciava num estilo de introdução geral, para  analisar depois, passo a passo, cada um dos aspetos do seu desenvolvimento, inscritos, treinos e relato da corrida hora a hora. 

"Esperava-se o regresso dos Ferrari, e eles estiveram lá, jogando um papel de forte rival até ao fim. Este ano, contrariamente ao ano passado, os Matra tiveram de se bater e, deste modo, tiveram mais incidentes que em 1972. 
Na Ferrari apenas existiam três viaturas, contra quatro para a Matra. Cada um dos Ferrari teve um papel particular: havia a "lebre" Merzario e os sensatos Ickx-Redman, que ficaram voluntariamente à margem do combate e tomaram depois o comando, quando cada um dos seus adversários foi retardado por incidentes. No início da prova, duvidava-se tanto da eficácia de Merzario-Pace, muito rápidos, como de Ickx-Redman, demasiado lentos. Em contrapartida, Schenken-Reutemann mantinham-se no pelotão dos Matra. 
No decorrer da prova, o lugar foi alternadamente ocupado por três Ferrari e três Matra. Seis leaders diferentes, portanto, não podia ser mais perfeito o equilíbrio de forças. 
Ao nascer do dia, as chances da Matra pareciam muito remotas: Ickx-Redman tinham tomado o controlo da corrida com uma tal confiança tática que pareciam estar ao abrigo de qualquer incidente. Mas o domingo de Pentecostes não foi favorável a Ickx; cometeu um erro ao montar precipitadamente pneus de chuva, depois um reservatório começou a verter e, por fim o motor partiu. 
Paradoxalmente, foi o Ferrari mais solicitado que conseguiu chegar ao fim, mas a marca italiana deixou Le Mans de cabeça levantada. 
A Matra, mais que de incidentes, foi vítima de problemas crónicos: deschapagem de pneus e defeitos de iluminação a que se juntou o motor partido de Depailler-Wollek. Também neste caso, foi a viatura que inspirava menos confiança, aquela em que o motor respondia mal e vibrava, que atingiu o melhor lugar, permitindo a Pescarolo repetir o seu sucesso de 1972 e a Larrousse de vencer, por fim, uma corrida na qual já tinha terminado duas vezes em segundo, em 1969 e em 1970. 
Este combate real relegou para segundo plano os Mirage, que estavam condenados antes de metade da corrida, o comportamento honroso do Alfa Romeu privado de Facetti-"Pam", e o do Porsche Carrera de Muller-Van Lennep. A categoria GT foi teatro de um confronto apaixonante entre a Porsche e a Ferrari, de que Ballot-Lena/Elford saíram vencedores. 
Em turismo, finalmente os três rápidos Ford Capri abandonaram um após o outro e deixaram a vitória ao único BMW (Hezemans/Quester) sobrevivente. Nenhum carro de dois litros, como já se esperava, chegou ao fim." 


Os inscritos 


"Sessenta e três carros desfilaram nas operações tradicionais de controlo mas, naturalmente, apenas cinquenta e cinco foram admitidos à partida. 
A Matra alinhou com três 670 para Beltoise/Cévert, Pescarolo/Larrousse e Jabouille/Jaussaud. Um, tinha efetuado um teste de trinta e uma horas ao circuito enquanto os outros dois eram rigorosamente novos. Estas viaturas caraterizavam-se por uma nova suspensão traseira, jantes traseiras de treze polegadas e travões suspensos acoplados à nova caixa Porsche. Um 670 com jantes traseiras de quinze polegadas e a antiga caixa ZF (travões traseiros nas rodas) estava confiado a Depailler/Wollek. Nos quatro carros voltou-se ao sistema do coletor de escape em seis secções ligadas a uma saída única. Os travões eram de disco maciços, o que reduzia a eficácia de travagem mas eliminava o número de mudanças de pastilhas. 
A Ferrari deslocou três 312 P de cauda longa e frente equipada com projetores suplementares para Ickx/Redman, Merzario/Pace e Reutemann/Schenken. Um dos carros tinha feito um teste de resistência de 16 horas no circuito de Monza. Os travões traseiros ventilados estavam montados nas rodas de modo a facilitar a substituição dos discos no caso de ser necessário. 
Tanto nos Matra como nos Ferrari, o regime do motor estava limitado a 10 500 rpm, o que, tanto num como noutro caso limitava a potência a 440/450 cavalos. 
Os dois Mirage eram os spider com motor Cosworth. Não houve tempo de desenvolver suficientemente o coupé com motor V12 Weslake e era um risco demasiado grande inscrevê-lo numa prova que é uma verdadeira aventura. Os dois Mirage estavam equipados com caixas ZF, e a nova entrada para alimentação de ar dos motores que fora montada nos treinos, foi abandonada. 
O Lola de Wissell/Lafosse/De Fierlant foi modificado em Inglaterra. A suspensão traseira e o capot foram revistos e à caixa Hewland foi adicionada uma bomba de óleo suplementar e dotada de um grupo cónico substituível em dez minutos. Nos Mirage e no Lola, os motores Cosworth tinham o regime limitado a 9 400 rpm. 
Ainda em Sport-3 litros salientava-se a presença de um Alfa-Romeu 33-V8 da Brescia-Corse para Facetti/"Pam"/Zecolli e um Lola T280 (ex-Ecurie Bonnier) para Rouveyran-Ethuin. 
O Duckams de Craft/De Cadenet apresentava-se num estado lamentável com a traseira modificada em relação ao ano passado. 
Os dois Ligier (Ligier/Lafitte e Paoli/Couderc) tinham a frente redesenhada e um novo estabilizador traseiro. As culassas foram modificadas na Maserati para restabelecer o equilíbrio térmico que ocasionava frequentes roturas de junta. 
A equipa Martini alinhava com dois Porsche Carrera 3 litros em Sport para Van-Lennep/Muller e Haldi/Jost. Havia ainda os Porsche 908/2 (Ortega/Merello e Wicky/Cohen Olivar) e 908/3 (Chenevriere/Fernandez)
O Sigma japonês, no estilo do Chevron, equipado com um motor birrotor Mazda era pilotado por Dal Bo , Ikuzawa e Fushida. Estava equipado com pneus Bridgestone mas a cilindrada presumível excluía-o dos dois litros (2,3 litros). Em dois litros estava um Porsche 910 face a quatro Chevron e um Lola. 
Em Grande Turismo, havia uma armada de Ferrari (dois Pozzi, três NART, o da Ecurie Francorchamps e mais dois privados, um francês e outro inglês. Havia ainda nove Porsche Carrera (o da Martini foi cedido à Ecurie Sonauto) e três Chevrolet Corvette (o de Greder e dois Goodrich-Grenwood). 
Finalmente em Turismo estavam três Ford Capri oficiais, dois BMW de fábrica e um privado. "

Os Treinos

"No primeiro dia de treinos, os Ferrari rodaram quase ininterruptamente e Arturo Merzario, ao conseguir 3.37.5 aproximou-se bastante do tempo realizado por Beltoise, no Matra, durante os treinos de abril. Este, foi vítima de uma fixação de roda que não se quis desapertar, e o seu carro ficou imobilizado durante quase toda a sessão de treinos.
Ickx, aproximou-se dos tempos feitos por Merzario, conseguindo 3.38.5. depois de deixar a Redman o cuidado de fazer a "mise-au-point" do carro. O primeiro Matra foi o de Pescarolo com 3.41.8.
John Watson fez um "tête-à-queue" com o Mirage e danificou o capot traseiro. Andruet derrapou sobre uma mancha de óleo e destruiu a frente do seu Ferrari Daytona. No final da sessão, Dolhem, também em Ferrari Daytona, atropelou um cão perto da curva Dunlop e danificou a suspensão dianteira.
Os pilotos dos Ligier queixavam-se de falta de estabilidade dos carros, que se mostravam demasiado leves de traseira a grandes velocidades.
No dia seguinte, na segunda sessão de treinos os tempos não foram melhorados, de um modo geral, mas Cévert colocou-se à frente dos Matra, depois dos dois Ferrari, com o tempo de 3.39.9. Foi sem dúvida o mais rápido do dia.
Nos Ligier, um novo estabilizador traseiro melhorou a situação e os carros revelaram-se mais rápidos do que os Carrera. Na Porsche, reinava a inquietude, pois não conseguiram fazer os tempos de abril. Parecia que o motor que equipou o carro de Van Lennep/Muller nas 4 Horas foi o mais potente jamais montado num Carrera.
Os pilotos dos Matra eram tão rápidos como os dos Ferrari em linha reta (320 a 330 km/h) mas perdiam tempo em relação aos seus rivais na travagem. Os Daytona sofriam do mesmo handicap em Grande Turismo, em relação aos Porsche Carrera."

Comentário

Nesta síntese dos treinos, o jornalista Luc Augier retinha como principais aspetos, a rapidez superior da Ferrari onde se destacavam pelos tempos obtidos, Merzario e Ickx que levavam de vencida, nesta "batalha", todos os Matra, afetados por fragilidades de travões apesar da boa velocidade máxima. Eram de referir os acentuados problemas  de andamento dos Porsche Carrera Sport de 3 litros da Martini, e o apagamento dos Mirage Gulf que apareciam como outsiders bem menos eficazes. Nos Grande Turismo era notória a rapidez dos Ferrari Daytona que conseguiam colocar-se na sua maioria à frente dos Porsche Carrera RS, enquanto nos turismo os Ford Capri revelavam-se mais rápidos do que os BMW 3.0 CSL.

Corrida 




1ª hora

"Dada a partida, Arturo Merzario colocou-se na frente e, na primeira volta, precedia Beltoise, Schenken, Pescarolo, Jabouille, Depailler, Bell, Hailwood, Lafosse e Redman, que tinha optado por um início de prova calmo, depois, "Pam", Craft, que parou logo o Duckams em virtude de uma fuga de óleo, Ligier, Maublanc, primeiro dos dois litros, Chenevriére, Muller, Juncadella, Glemser, Rouveyran, que se debatia já com problemas na caixa do seu Lola, Di Palma, à frente dos Grande Turismo, Birrell, Paoli, que parou o Ligier para controlar a pressão da gasolina, etc...
Com o decorrer das voltas, Merzario aumenta a sua vantagem em relação a Cévert, seguido a respeitável distância por Schenken, Pescarolo, Jabouille e Depailler, depois dos Mirage e do Lola e finalmente, muito mais longe, Redman.


Ao fim de meia hora de prova, o Lola de Lafosse esteve imobilizado durante um quarto de hora para substituir o cabo do acelerador.
Depois de 3/4 de hora de corrida, os três litros reabasteceram pela primeira vez, mas os pilotos não se substituíram. Merzario tinha já batido, pela primeira vez o record da volta com 3.40.8. Antes de acabar a primeira hora Guy Ligier parou com uma fuga de óleo. Um mecânico restabeleceu então o nível de óleo, mas o carro não tinha cumprido mais de 15 voltas, enquanto o regulamento indica que o reabastecimento de óleo apenas é permitido depois de percorridas 17 voltas. Ligier seria mais tarde desclassificado, quando o seu carro dominava os Carrera de fábrica.
Mike Hailwood parou também durante bastante tempo na sua box para verificar o resguardo da embraiagem e à passagem da 1ª hora, Merzario dominava com 37 segundos de avanço sobre Cévert, 1.05 sobre Pescarolo, 1.10 sobre Schenken, Jabouille e Depailler, agrupados, 2.12 sobre Bell, 2.50 sobre o Alfa de "Pam" enquanto Redman e Hailwood tinham mais de uma volta de atraso. Os Ferrari comandavam o grupo dos Grande Turismo mas os Capri precediam os Carrera. O de Haldi/Jost partiu a caixa de velocidades.


2ª hora

No início da segunda hora, Chris Amon, ao volante do seu BMW rodava ao ralenti não podendo utilizar a caixa de velocidades. Mas não parou por isso, esperando pelo reabastecimento para então ceder o volante a Stuck que voltou a partir sem que tivessem podido remediar a avaria. Ainda em Turismo, o Capri de Gerry Birrell parou na reta, com um contacto da ignição desligado. Roger Dubos abandonou igualmente no circuito, com o comando do "metering unit" partido.
Antes de acabar a segunda hora, os carros da frente reabasteceram pela segunda vez e os pilotos substituíram-se, exceto Beltoise/Cévert, continuando este último ao volante.
Merzario tinha tomado tal avanço que Pace arrancou sem que o Ferrari tivesse perdido o comando. Mas algumas voltas depois, o brasileiro entrou no seu stand inundado de gasolina. O reservatório coletor estava fendido e foram necessários 40 minutos para o substituir.
Na mesma altura, Ganley que tinha substituído Bell no Mirage, entrou na box com um veio primário da caixa partido; foi necessário perder mais de 4 horas para o substituir.
O Matra de Cévert instalou-se então na frente, e o Sigma japonês inaugurou uma longa série de paragens com problemas de ignição. O segundo Ligier também parou com a carroçaria danificada depois de um despiste sofrido por Couderc.

3ª hora

Depois da reparação do Ferrari, Arturo Merzario tomou o volante e bateu novamente o record da volta em 3.40.4.
Em GT, Anduet atrasou-se em virtude de uma fuga no depósito da gasolina. Em contrapartida Stuck e Amon voltaram a poder utilizar a caixa do seu BMW e a rodar normalmente. O Duckams esteve parado durante meia-hora para reforçar o capot traseiro.
No final desta terceira hora, Beltoise/Cévert comandavam a prova com uma volta de avanço sobre o Ferrari de Schenken/Reutemann, o Matra de Depailler/Wollek, o de Pescarolo/Larousse, atrasado por uma mudança de pastilhas de travões demasiado trabalhosa, duas voltas sobre o Ferrari de Ickx/Redman, três sobre o Mirage de Hailwood/Watson e quatro sobre o Alfa-Romeu de Facetti/Pam.
Jaussaud foi vítima de uma deschapagem de pneu na reta ficando com a suspensão e a frente da carroçaria danificada, rodando lentamente até ao seu stand. Merzario estava com seis voltas de atraso e em Grande Turismo, graças à sua maior autonomia, o Porsche de Gregg/Chasseuil estava com um ligeiro avanço sobre os Ferrari Daytona.




4ª e 5ª hora

Nenhum incidente notável ocorreu durante a quarta hora e apenas há a referir os abandonos de Juncadella/Bagration com problemas de motor no Chevron e do Lola de Henry na categoria de 2 litros. Jean  Pierre Beltoise estava ao volante do Matra da frente quando, no decurso da 5ª hora foi vítima, tal como acontecera a Jaussaud, de uma deschapagem em plena linha reta. Entrou lentamente nas boxes, depois de ter rodado em esforço e foi necessário reparar a suspensão e a frente da carroçaria antes que Cévert tomasse o volante novamente. Cerca das 21 horas, o Matra de Depailler/Wollek estava então na frente com um ligeiro avanço sobre o Ferrari de Reutemann/Schenken. O Matra de Pescarolo/Larousse era o terceiro, a uma volta, o Ferrari de Ickx/Redman em quarto, o Mirage de Hailwood/Watson ocupava o lugar seguinte, a duas voltas, o Alfa-Romeu de "Pam"/Facetti era o sexto, a quatro voltas, e o Ferrari de Merzario/Pace o sétimo, a cinco voltas. Na 11ª posição, o Ford Capri de Glemser/Fitzpatrick estava na frente de todos os GT, comandados pelo Ferrari de Posey/Minter, mas na classificação ao rendimento de índice energético, o BMW de Hezemans/Quester era o primeiro.

6ª e 7ª horas

Pouco antes das 22 horas, o Matra de Wollek/Depailler imobilizou-se no circuito com o motor gripado, não podendo já chegar às boxes. Era a desistência.
O Ferrari de Reutemann e Schenken, ambos estreantes nas 24 horas, passou então para o comando da corrida, à frente do Matra de Pescarolo/Larrousse enquanto François Cévert, que tinha novamente tomado o volante, se lançou numa recuperação espetacular.
Antes da meia-noite, Gerard Larrousse, então ao volante do Matra segundo classificado, entrou nas boxes para ceder a sua posição a Henri Pescarolo: descobriu-se então um pneu bastante danificado e foi verificado o sistema de iluminação, que deu alguns problemas aos pilotos. No decorrer da 7ª hora, este Matra tinha então passado para a 4ª posição, atrás do Ferrari de Reutemann/Schenken, (que era) seguido a duas voltas pelo de Ickx/Redman e a quatro voltas pelo Mirage de Hailwood/Watson. No quinto e sexto lugar, a seis voltas do carro da frente, estava o Ferrari de Merzario/Pace e o Alfa de Facetti/"Pam", enquanto na sétima posição, a 11 voltas, vinha o Matra de Cévert/Beltoise.
O último Matra, de Jabouille/Jaussaud, estava no 13º lugar a 14 voltas, enquanto os seus pilotos se queixavam igualmente de problemas de iluminação.

8ª e 9ª horas 

Desde o início da 8ª hora, antes da meia-noite, François Cévert batia consecutivamente o record da volta: primeiro com 3.40.3, depois com 3.39.6. A equipa Matra indicara aos dois pilotos para tentarem com todas as suas forças diminuir o atraso e entrar novamente na luta pelos lugares da frente, pois o motor do carro de Pescarolo/Larrousse vibrava e não oferecia confiança.
O Lola de Wissell/Lafosse, que tinha já parado ao principio da noite para substituir um cubo de roda, estava mais uma vez imobilizado para a substituição da embraiagem. O Duckams, que passara mais tempo na sua boxe que na pista, partiu o comando do acelerador. No Mirage de Hailwood/Watson, Vern Schuppan assegurava dois períodos de condução noturna: antes da meia-noite parou com problemas de alimentação no Mirage, mas voltou a partir.
Merzario, que à meia-noite era o quinto classificado, com seis voltas de atraso, parou pouco depois nas boxes para substituir a embraiagem, perdendo assim mais sete voltas.
Em turismo, o Ford Capri de Glemser/Fitzpatrick, que estava a fazer uma bela demonstração, parou 16 minutos no seu stand, para substituir uma mola de válvula.
Pouco depois da meia-noite, Cévert foi vítima de novo percalço com um pneu, mas pode voltar à pista sem ter perdido tempo. Antes desta 9ª hora, Vern Schuppan saiu da pista nos "S" de "Tertre Rouge": o Mirage voltou-se e o piloto australiano ficou ligeiramente ferido num joelho.
Ao fim da 9ª hora, as posições eram as seguintes: Schenken/Reutemann, estavam no comando com uma volta de avanço sobre o outro Ferrari de Ickx/Redman que não tivera problemas. Terceiro, a três voltas, estava o Matra de Pescarolo/Larrousse, em quarto o Alfa-Romeu de "Pam"/Facetti, a oito voltas, em quinto o Matra de Beltoise/Cévert  a 10 voltas, depois o Porsche Carrera de Muller/Van Lennep e, a 15 voltas o Ferrari de Merzario/Pace. Em Grande Turismo, a luta travava-se com raiva entre o Ferrari de Elford/Ballot-Lena, os Porsche de Gregg/Chasseuil, Loos/Barth e Keller/Kremer e o Ferrari de Posey/Minter. Um incidente opôs ainda mais Posey e Elford, pois o piloto britânico não gostou de determinada manobra do americano.

10ª, 11ª e 12ª horas

Os acontecimentos precipitaram-se até ao termo da primeira metade da prova. O Ferrari de Reutemann/Schenken havia reabastecido demasiadamente cedo, ficando ameaçado de desqualificação. Simultaneamente, os dois pilotos queixaram-se da embraiagem, embora os seus problemas viessem a ser mais graves: às 2 e 45 o motor explodiu. Reutemann deu entrada nas boxes e, imediatamente, o carro foi levado para o parque dos mecânicos.
Ickx/Redman recolheram então o fruto da sua passividade e passaram a comandar a prova. Este abandono contribuiu igualmente para a ascensão de Beltoise/Cévert na classificação geral, pondo ao seu alcance o Alfa de Facetti/"Pam" que os precedia.
Mas, às 3 e 15, Beltoise era vítima de um novo acidente, provocado por um pneu, exatamente na reta. Desta vez, soltou-se uma roda e o Matra foi obrigado a abandonar a prova. O Duckams parou, mais uma vez com problemas elétricos e o Ferrari de Elford/Ballot-Lena, que comandava os Grande Turismo, perdeu (alguns) minutos na verificação e posterior purga do sistema de travagem.
Os Carrera de Piot/Zbinden (caixa de velocidades) e de Bayard/Ligonnet (pistão) abandonaram. O Sigma japonês parou também, desta vez para a completa reparação da suspensão dianteira. Toine Hezemans, em BMW, reentrou nas boxes com o parabrisas partido. Feita a reparação voltou a partir.
Ainda no Turismo, Birrell substituíra Koinigg ao lado de Vinatier, mas o seu Ford Capri foi retardado por uma fuga no reservatório de gasolina. O segundo Ligier, então pilotado por Paoli, parou novamente com uma fuga de óleo e perdeu 20 minutos. O Sigma, depois de diversos problemas, abandonou com avaria irremediável na embraiagem. Às 4 horas, o Duckams que fora vítima de numerosos infortúnios parou definitivamente no circuito, com a suspensão traseira partida. O BMW de Chris Amon também parou para a mudança de uma válvula, tendo o Capri de Vinatier abandonado pela mesma razão.
Decorridas doze horas de prova, a classificação era a seguinte: Ickx/Redman comandavam, com duas voltas de avanço sobre o Matra de Pescarolo/Larrousse, 10 voltas sobre o Alfa de Facetti/"Pam", 14 voltas sobre o Ferrari de Merzario/Pace e 17 voltas sobre o Porsche Carrera de Muller/Van Lennep que ainda não tivera qualquer problema!!! Em Grande Turismo, 7 carros estavam agrupados em duas voltas: 5 Ferrari e 2 Porsche Carrera. Hezemans e Quester em BMW, eram, simultaneamente os leaders dos Turismo e os primeiros ao índice energético.



13ª, 14ª, 15ª e 16ª horas

Ao amanhecer, Brian Redman no Ferrari da frente, parou com um barulho anormal no motor. Feita a devida inspeção viu-se que se tratava de um tubo de escape roto, tendo sido reenviado para a pista sem qualquer perda de tempo. Pouco depois Stuck ficou atolado na areia da curva de Indianápolis.
O Mirage de Bell, que já havia parado para verificação do nível de óleo da caixa, parou novamente para verificação do alternador. Schikentanz, que comandava o pelotão dos GTs, foi retardado pela substituição de um tubo de escape. Às 7 horas, uma chuva ligeira caíu na reta de Hanaudiéres. Ickx, ao volante do Ferrari comandante, parou precipitadamente a fim de fazer montar no carro pneus de chuva. Procedeu erradamente, já que perdeu muito tempo, permitindo à Matra a recuperação de grande parte do tempo perdido. Às 8 horas da manhã de domingo, a ordem era a seguinte: Ickx/Redman, apenas com uma volta de avanço sobre Pescarolo/Larrousse, 12 voltas sobre o Alfa-Romeu de Facetti/"Pam", seguido pelo Ferrari de Merzario/Pace, depois, a 22 voltas, do Porsche de Van-Lennep/Muller e, a 25 voltas, do Matra de Jabouille/Jaussaud.
Em GT, a luta era bastante acesa entre o Ferrari de Posey/Minter, que seguia à frente de Ballot-Lena/Elford.


17ª, 18ª, 19ª e 20ª horas

No decurso da 18ª hora, o Matra de Pesacarolo/Larrousse ultrapassou o Ferrari de Ickx/Redman. Pescarolo e Larrousse tiravam o máximo do seu motor e o Ferrari não aguentava a cadência imposta.
Às 10 horas, o Lola abandonou, numa altura em que era tripulado por Wissell: fuga de óleo. Pouco depois o último Capri em prova, o de Fitzpatrick/Glemser, abandonou com a transmissão partida.
O Ferrari de Ickx/Redman pararia antes do meio dia na box, com Ickx todo molhado de gasolina: o reservatório havia furado. O tempo gasto na reparação e na passagem de volante a Redman, proporcionou à Matra a conquista de seis voltas de vantagem. A quatro horas da chegada, enquanto o Alfa-Romeu já acusava problemas de embraiagem, a classificação estabelecia-se da seguinte maneira: Pescarolo/Larrousse, com seis voltas de avanço sobre Ickx/Redman, 10 voltas sobre Merzario/Pace, 26 voltas sobre Muller/Van-Lennep e 28 voltas sobre o Matra de Jabouille/Jaussaud. Em GT, Ballot-Lena/Elford haviam-se desembaraçado dos seus adversários mais perigosos, Minter/Posey, que tinham partido o motor. Em turismo, nada mais restava do que esperar pela vitória do BMW de Hezemans/Quester.



21ª, 22ª, 23ª e 24ª horas

A vitória da Matra parecia assegurada quando, às 21 e 30 horas (de corrida) Gerard Larrousse deu entrada nas boxes, queixando-se de vibrações alarmantes. Foi mandado para a pista mas o motor de arranque recusou-se a funcionar. O regulamento proibia a substituição integral da peça, razão pela qual se tornava necessário repará-lo. O tempo gasto permitiu à Ferrari colocar-se a menos de duas voltas.
A luta parecia não ter fim, mas o Ferrari emitia um barulho cada vez mais inquietante. Ás 14 e 30 h, numa altura em que os dois carros rolavam já na mesma volta, Ickx parou bruscamente na box. O Ferrari foi automaticamente levado para detrás das boxes com o motor partido. Simultaneamente, Ickx meteu-se dentro do seu carro particular e regressou ao hotel enquanto Redman se lamentava com amargura.
No Matra foi, então possível um ligeiro abrandamento de ritmo, tanto mais que Jaussaud/Jabouille ultrapassaram o Carrera e instalaram-se na terceira posição.
A última hora de prova foi fatal para o Ferrari GT de Dolhem/Serpaggi, que, entretanto, conquistara o segundo lugar do grupo e comandava a classificação ao índice: o motor não trabalhava mais do que em 8 ou 9 cilindros. O Porsche de Kremer/Schinkentanz subiu, então, ao primeiro lugar da classificação do índice energético.
Foi sob uma trovoada de palmas que a Matra de Pescarolo/Larrousse cortou a linha de chegada, depois de ter completado mais 80 km que o Ferrari de Merzario/Pace que brilhantemente salvaram a honra da firma italiana, assegurando-lhe praticamente o título de Campeão do Mundo em 1973.
Entretanto a equipa Matra foi a primeira a lamentar o desaparecimento de prova do Ferrari de Ickx/Redman, única forma de ilustrar ainda melhor uma batalha verdadeiramente real. Em Grande Turismo, Ballot-Lena, associado desta vez a Vic Elford conquistou a sua terceira vitória na categoria.
Mas se fizermos bem as contas, veremos que o carro que permaneceu durante mais tempo em prova e menos tempo nas boxes foi... adivinhem... o Porsche de Van Lennep/Muller!



Comentário

Diferentes problemas afetaram os dois principais protagonistas, Ferrari e Matra. A Ferrari sofreu quebras de motor e roturas de depósito de gasolina em dois dos três carros alinhados. À "lebre" Merzario/Pace fora atribuída a tarefa de provocar com o ritmo mais rápido, a quebra dos  adversários, mas foi este precisamente o único carro italiano à chegada. Depois de sofrer problemas de embraiagem e aparentemente arredados da luta pela vitória adotaram nos ultimos 2/3 de corrida um ritmo menos rápido mas suficiente para alcançarem um 2º lugar brilhante a poucas voltas dos vencedores.
A Matra foi duramente afetada por problemas de pneus e outros menos graves mas suficientemente arreliadores para ter transformado esta prova num suspense prolongado até à linha de chegada. Nos Grande Turismo o ritmo foi elevado com os Ferrari Daytona a dominarem apesar da luta implacável que travaram  entre si os carros alinhados pelo NART e por Charles Pozzi.
De salientar que 1973 foi o último ano em que a Ferrari alinhou oficialmente na prova e com reais possibilidades de vencer, desde a última participação oficial da marca em 1967. Os 312 P tal como os 330 P4 mostraram-se carros muito rápidos, ágeis mas demasiado afetados por roturas de motor, apesar de em geral o 312P ser fiável e resistente. Nem protótipos nem carros de sport voltaram a ser alinhados oficialmente pela Ferrari nos últimos 39 anos, em Le Mans.
A Matra saíu de Le Mans reforçada na sua imagem mas vários tipos de problemas estiveram a um passo de inviabilizar a vitória: adaptação dos pneus ao carro, iluminação, ignição, mostraram que existia uma diferença assinalável entre a longa experiência da marca italiana em provas automobilisticas e a Matra, comparativamente ainda pouco experiente no panorama do desporto automóvel mundial.


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