A vitória de Filipe Albuquerque no domingo 28 de Novembro de 2010, na Corrida dos Campeões em Dusseldorf, será de agora em diante celebrada como data marcante para o desporto automóvel português. O acontecimento dá lugar a muitas reflexões, mas antes, será importante contextualizar o feito, determinando todo o alcance e significado de uma proeza que tem tanto de genial como de surpreendente.
Filipe Albuquerque foi notado há cerca de quatro anos atrás, como uma das grandes esperanças do nosso automobilismo. Já antes revelando um talento notável, a Red Bull, atenta ao seu potencial, tinha integrado o jovem piloto num programa de acompanhamento e promoção, o Red Bull Junior Team que o levou mesmo a guiar um fórmula 1 Toro Rosso em três exibições públicas.
Mesmo conquistando no ano de 2006, com o apoio da marca, os dois títulos europeus de Formula Renault, e um 4º lugar final no ano seguinte no World Series by Renault com uma equipa de segundo plano, a Epsilon Euskadi, foi aconselhado pela empresa de refrigerantes no final de 2007 a correr durante um ano nos campeonatos da Ásia situação que Filipe Albuquerque acertadamente recusou. Aparentemente, vendo-se afastado à força do palco das grandes competições europeias, depois de abrir caminho às jovens promessas alemãs que dificilmente o conseguiam bater, virou as costas ao patrocinador austríaco. Obrigado a procurar apoios para correr e, apesar do budget reduzido que conseguiu reunir em 2008, Albuquerque realizou algumas provas do Campeonato A1GP com excelentes exibições e um reduzido número de corridas da temporada de World Series da Renault.
Na verdade em 2008 e 2009 a sua carreira esteve quase na sombra. Mas sempre que teve um volante, Filipe Albuquerque fez passar um mau bocado aos adversários. Gradualmente, foi descendo na hierarquia de importância das competições em que interveio. Aparentemente discorda da necessidade de pagar para correr. Provavelmente consciente do seu talento, talvez preferindo encarar o seu desporto favorito duma forma descontraída, à antiga, em 2009 e no ano corrente fez de novo excelente figura pela Europa fora ao volante de diversos Audi mas apenas em provas de carros de Turismo e GT3.
E finalmente este convite de Michelle Mouton, para participar ao lado do Álvaro Parente, também talentoso mas também português e pouco abonado, na famosa Corrida dos Campeões. Do que se passou, falaram já os jornais. Do génio do volante que ele será certamente, mas posto de lado, já dissemos. Ao longo da prova bateu tudo e todos com quem disputou metros de pista. Qualquer que fosse o carro, Albuquerque trucidou-os, demonstrando que os outros são pouco mais do que heróis de encomenda. Heróis amparados em marcos, libras ou francos, em jornais e media poderosos, campanhas de marketing e promoções milionárias. Schumacher, Vettell, Loeb que seria deles sem as economias poderosas que os sustentam? Que seria de tanta fama sem os lobbies que os empurram até ao topo?
Sem desculpas, nem falsas modéstias, quando numa pausa foi entrevistado para a TV, a sua postura descontraída, sincera, mas fluente e culta, parecia querer segredar-nos cumplicemente, a nós portugueses, que,
estou aqui emprestado, quase a fazer vénias a tantos campeões, mas assim mesmo, meio a brincar meio a sério estou a fazê-los passar por uma vergonha e a mostrar que neste desporto há colossos com pés de barro…
Bateu Vettel por duas vezes, Loeb por três vezes e sempre com carros diferentes. A última, decisiva, mereceu da parte do sete vezes campeão do mundo de ralis, Sebastien Loeb a observação de que, ele quase voava.
Poderá dizer-se mesmo assim que enquanto os outros ali estavam por desporto, ele estava lá para agarrar o destino ou melhor, a oportunidade da sua vida, aquela que lhe tem sido recusada nas grandes equipas, aquelas que dizem procurar génios mas só procuram dinheiro.
Modesto, alegre, simpático, Albuquerque conquistou o chocado e incrédulo público do estádio alemão. O vencedor do torneio era um ilustre desconhecido, alguém sem pedigree, dragonas ou palmarés prestigiado, insignificante ao lado dos seus campeões, na hierarquia dos talentos. Apenas um talentoso piloto português e pouco mais.
Mas isso é para os distraídos, aqueles que só olham para os seus e de pouco lhes interessa os heróis dos outros. Ficaram a saber que neste desporto como na vida há génios que ficam pelo caminho, lutam na sombra, desistem a um passo da vitória. Mas às vezes também vencem.
A explicação é uma. Como em tudo neste país, os poucos portugueses que surgem lá fora como vencedores, não são apenas bons. São muito bons e nalguns casos geniais. Porque o dinheiro falta, o capital escasseia. Podemos ter do melhor e mais original que há no mundo, mas a curteza de vistas retira o alcance aos nossos feitos. O país é pequeno, o mercado insignificante, o povo é futeboleiro e descrente. A promoção e a consagração não existem porque o país não é nem nunca foi dos modernos. Sem indústria automóvel nem interesses automobilísticos nacionalistas senão os que do estrangeiro por cá usam do génio residente, qualquer endeusamento de um piloto acabaria com uma automania perigosa que faria desequilibrar ainda mais a balança comercial e a estatística dos acidentes.
Posto isto alguns persistem a teimosamente quererem vencer. Reúnem esforços e talento, conseguem finalmente apoios e correm no estrangeiro batendo os futuros campeões dos outros. O filtro apertado da escassez e do fraco capital premeia poucos. Só os melhores e verdadeiramente talentosos percorrem o estreito corredor da fama. E esses são os Lamy, os Chaves, os Barbosa, os Albuquerque e os Parente ou os Monteiro, como ontem o foram Filipe Nogueira, Araújo Cabral, Gião, Peixinho, Gaspar, Neves ou Pinhol. Amanhã os Félix da Costa, quem sabe... Lutam teimosamente e ganham patine, mas à custa de quanto sangue suor e lágrimas como dizia um velho senhor.
Albuquerque, nome mítico, de epopeias e largos horizontes, já faz parte da história do nosso desporto. Do desporto português e não só do desporto automóvel. Venceu os dois campeões máximos do ano nas modalidades automobilísticas mais cotadas e reconhecidas do mundo: o recém coroado campeão do mundo de fórmula 1, o sete vezes campeão do mundo de WRC ralis. Comentam os jornalistas que tal proeza faria prever uma chuva de convites para o piloto de Coimbra mas o próprio confirmou ao Record que isso não aconteceu. Até agora, dois dias passados
Ainda não recebi nenhum contacto profissional. Mesmo que o tivesse recebido, como todos compreendem, nesta altura o segredo é a alma do negócio. Recebi muitos telefonemas de pilotos, amigos e jornalistas, mas ainda é cedo para decidir o futuro.
E conclui dizendo
É, em muito por isso, que as corridas já não têm a emoção de outros tempos, em que estavam lá realmente os melhores.
É verdade, se Albuquerque não está e devia estar, que formula 1 é esta que não tem os melhores pilotos a correr?
Muito bom texto, bem pensado e escrito, com análise, conclusões e questões pertinentes. Os meus parabéns.
ResponderEliminarO Filipe merece tudo, pois dos pilotos da nova vaga se não é o mais talentoso, está no mínimo entre os melhores. E além disso, como escreveste, é uma "modessto, alegre, simpático" e, acrescento, dono de um enorme carácter e grande força de vontade.
E já agora, obrigado pelo convite para visitar este teu interessante blog. Já está nos favoritos, para visitas regulares. ac/mits650