O automobilismo como sistema

Automobilismo, sociedade e história

O automobilismo como sistema

A evolução do automobilismo acompanhou sempre a evolução sofrida pela indústria automóvel global e foi uma das facetas visíveis do desenvolvimento industrial desde final do século dezanove, o mesmo é dizer, desde o início daquilo a que se costuma designar, indústria automóvel.
Se é possível dizer-se, que a expansão da indústria automobilística pelos quatro cantos do mundo refletiu as oscilações verificadas na economia e na sociedade, desde que o automóvel foi inventado no último quartel do século XIX, a evolução e a história do desporto automóvel mundial foi a imagem, refletida nos grandes eventos desportivos, dessa indústria, dos seus progressos e desenvolvimento nos diversos países. 
Partimos duma perspetiva em que o desporto pode ser visto como sistema e as modalidades desportivas, como sistemas diferenciados mas regidos por uma matriz de caraterísticas semelhantes, interligadas e interdependentes, constantes e, talvez, comparáveis. É o que acontece no desporto automóvel.

Ao refletirmos sobre a evolução do automobilismo de competição constatamos que, o piloto nunca foi o único elemento ou fator fundamental que a imprensa desportiva geralmente associou à proeza desportiva. Mais, poucas vezes foi decisivo no desfecho da corrida. O piloto, é, e sempre foi, apenas um dos fatores em jogo, um dos elementos do sistema. Outros fatores, foram sempre decisivos mas tantas vezes secundarizados e ocultados no discurso elogioso do jornalista ou cronista.
No entanto, aquilo que distingue atualmente o fenómeno automobilístico de muitas outras modalidades desportivas é a imprevisibilidade sistémica, a sua tendência para a complexidade e a impossibilidade de ser gerido de acordo com princípios desportivos.

À habilidade ou genialidade do piloto, havia que adicionar os problemas previsíveis dos pneus, além dos imprevisíveis fatores ambientais e climáticos que sempre influenciaram os anteriores mas aos quais se devem adicionar atualmente novos aspetos com  protagonismo decisivo: a aerodinâmica, a equipa e o mercado, só para falar de alguns. E estes, se outros não o fossem, são fatores extradesportivo que pervertem, senão mesmo adulteram e transfiguram o rosto da modalidade.
Podemos por isso dizer que, se há desporto onde o resultado final é a resultante de múltiplos fatores inesperados, esse desporto é o automobilismo. Muitos fatores dependem de muitos, nenhum deles depende apenas de um. Qualquer decisão ou desfecho resulta da intervenção nem sempre concordante, de vários elementos ou protagonistas, do sistema descrito.

Delimitando o campo de discussão, de que é que falamos? A que fatores nos circunscrevemos? Qual o campo de análise? Quais os fatores que pesaram mais, ao longo dos diversos períodos da história do desporto automóvel?

O resultado de uma prova de automóveis resulta, de diferentes fatores em jogo.
Entre estes, podemos considerar os que são externos a cada concorrente mas que afetam todos os concorrentes, como a pista, as condições climatéricas, ou os fatores institucionais como por exemplo a regulamentação. Há também os internos, os que afetam cada concorrente e só a ele e que são variados: o talento do piloto, a qualidade de preparação da equipa, os seus anunciantes e financiadores, a potência e caraterísticas do motor, a arquitetura do chassis, a aerodinâmica da carroçaria, os pneus que o equipam, o combustível. 
No fundo, tudo aquilo que está sob o controlo do piloto e da equipa.

Vamos considerar a importância do combustível como uma constante. Atualmente e em regra, porque está geralmente relacionado com as caraterísticas do motor e o seu desempenho, é controlado apertadamente pelas entidades gestoras dos eventos e intervém em todos os concorrentes e de forma igual.
 


O esquema acima, permite-nos avançar um pouco na análise da questão: saber qual o fator decisivo na resolução da corrida.

Para isso será conveniente conhecermos quais os fatores decisivos na vitória e nas derrotas. Proponho por isso analisar exemplos que nos forneçam de forma empírica  explicação para tais vitórias e derrotas e nesta análise assumem com diferenciadores os fatores que levam à derrota duma equipa e automóvel sempre que ele é candidato à vitória com meios razoáveis.
Numa conferência de imprensa que serviu de balanço à época de 1969, o diretor desportivo da Porsche, apresentou, numa dissertação apoiada em factos, os motivos que levaram à desistência das diversas viaturas da equipa inscritas nas provas do campeonato mundial de sport-protótipos desse ano, e, particularmente focada, a derrota da armada Porsche, na mais importante prova do calendário em que a marca estava empenhada: as 24 Horas de Le Mans. Nesta prova, dos cinco carros inscritos pela equipa oficial, isto é, a equipa com mais meios em campo, apenas dois chegaram ao fim.

Destacamos dois fatores que consideramos centrais porque deles dependem todos os restantes fatores internos: a qualidade do trabalho de equipa e o piloto, gestor e coordenador de diferentes parâmetros, fundamentalmente na conjugação entre fatores externos à competição e fatores internos diretamente intervenientes no seu desempenho.

Podemos considerar que o melhor piloto será aquele que com maior frequência ao longo da corrida ou do campeonato, conseguiu ajustar melhor a sua condução às condicionantes externas e internas.
Hoje em dia, o melhor piloto do mundo será aquele que nas diferentes provas de um campeonato conseguiu gerir melhor todos os elementos do sistema entre si, deles extraindo o melhor potencial, articulando-se com a equipa, os seus mecânicos, interpretando as informações dos pneus, da aerodinâmica e reações do seu bólide. 
O melhor piloto atualmente num campeonato será aquele que melhor interpreta toda a informação de que dispõe relativa ao automóvel de que dispõe e a adequa às condições de pista. Esse papel é por isso determinante. E é determinante porque o melhor piloto é também aquele que consegue transmitir informação de melhor qualidade à sua equipa para que esta possa evoluir tecnicamente o seu carro.
Participar em testes e simulações será cada vez mais importante, mas, não dispondo deles, será o seu talento como afinador e “interpretador” das reações do carro que lhe permitirão fornecer à sua equipa melhor informação para esta proceder às alterações convenientes no seu carro no sentido de lho entregar nas melhores condições em todas as corridas. É por isso, um papel não só de condutor e gestor da corrida, mas também de técnico que possui bagagem de conhecimentos de pilotagem e de contexto como a pista além de conhecimentos especializados nas áreas em que pode intervir: mecânica, pneus, aerodinâmica, motor. Possivelmente também sobre as capacidades e fraquezas dos seus adversários.


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