Campeonato do mundo de Sport-Protótipos de 1969 - Porsche, "A Operação Verdade"





Campeonato do mundo de Sport-Protótipos de 1969 - Porsche, "A Operação Verdade"


Operação Verdade - O reverso de uma medalha de ouro - revista L' Automobile por Christian Moity

No final de 1969, o departamento de competições da Porsche organizou um encontro restrito na pista de Hockenheim, na Alemanha e desvendou aos jornalistas presentes as maiores fragilidades que os seus carros tinham demonstrado ao longo do ano nas diversas corridas do campeonato.
Vencendo o campeonato mundial de Sport-Protótipos a Porsche tinha contudo deixado escapar o maior troféu de toda a temporada, as 24 Horas de Le Mans.
Neste artigo bastante extenso escrito por um dos mais conhecidos jornalistas franceses da época, Christian Moity, a revista L'Automobile fazia a reportagem traduzida dessa reunião de trabalho e das palavras por vezes muito críticas da principal figura do departamento de competições da marca alemã, o engenheiro Peter Falk.
Palavras de reconhecimento mas principalmente de análise realista dos erros cometidos ao longo do ano. Não se procurava o auto elogio como tantas vezes acontece em situações de balanço, mas simplesmente, divulgar junto de jornalistas, pilotos e restantes convidados as falhas estratégicas e os erros mecânicos que, apesar dos sucessos alcançados ainda tinham impedido a marca de alcançar o objectivo mais perseguido e apetecido desde 1950: a vitória em La Sarthe.
Fazemos aqui a tradução integral da reportagem, que coloca a ênfase no carácter fortemente empenhado de todos os elementos desta equipa, quiçá imagem daquilo que são os alemães e da sua forma inigualável de gerir todos os projectos em que se comprometem, atitude que acreditamos resumir numa pequena frase

Só há uma forma de sucesso, é o sucesso total.


"Em directo de Hockenheim"

“Com o ensaio (como copilotos evidentemente) de todos os modelos recentes de Porsche de competição, a conferência do engenheiro Peter Falk foi, podemos dizer a chave da reunião amigável de Hockenheim. O almoço estava no fim, dois criados bem vestidos trouxeram então uma pequena mesa sobre a qual, inertes e classificadas estavam algumas peças: aqui, uma embraiagem queimada, ali um carreto danificado, mais à frente uma peça defeituosa de chassis. Os cafés ficaram nas chávenas e os schnaps dentro dos copos. Muito sóbrio, o engenheiro Falk regulou o microfone e, corajosamente, deu início a esta operação verdade.

“Penso, meus senhores, que é inútil lembrar-vos, mesmo que brevemente, os sucessos alcançados pela Porsche, este ano. Creio, em contrapartida, ser mais útil falar-vos dos nossos falhanços e das suas causas REAIS.
Sabem que, durante ou depois de uma corrida é-nos sempre difícil, senão impossível, determinar o motivo exacto dos abandonos, pelo menos os de origem estritamente mecânica. Só as desmontagens nos informam. Estas desmontagens foram feitas no seu devido tempo. Pensámos que vos seria agradável descobrir as falhas crónicas de alguns dos nossos automóveis. Estas peças, expostas à nossa frente falam melhor que qualquer discurso. Só me resta relatar-vos as circunstâncias”

“Foi este testemunho, traduzido o mais fielmente possível que vos vamos transmitir agora, amigos leitores.
Campeã do mundo, a Porsche podia dar-se ao luxo de esconder as suas falhas. Com a modéstia dos fortes, a marca preferiu a verdade. Aprecia-se a sinceridade, contributo verdadeiro para a história de uma época e do desporto.
CM”

“O início da época, os inícios do campeonato, foram também, todos se lembram, o início dos nossos problemas. Contudo, desde o mês de Dezembro de 1968, preocupámo-nos com uma repetição geral das 24 Horas de Daytona, e a pista de Monza foi a escolhida. Antes de mais, procurávamos testar a nossa nova caixa de 5 velocidades, chamada a substituir a caixa de 6, sólida e comprovada mas muito pesada. Anteriormente, e lembrando-nos dos problemas encontrados em Le Mans, tínhamos modificado a posição do alternador montado demasiado longe, em nossa opinião, do ventilador. O ensaio de resistência, efectuado durante perto de 18 horas, deu-nos toda a satisfação, tecnicamente entenda-se porque, com efeito, a sessão foi brutalmente interrompida por um acidente. O 908 ardeu quase completamente, mas foi possível mesmo assim, salvar o motor e, sobretudo a caixa. Na sua desmontagem, nem o menor sinalde desgaste foi encontrado. Como por outro lado, os ensaios de motor no banco de ensaios tinham sido levados até ao fim com sucesso, tudo parecia OK.
Congratulámo-nos cedo demais.
Em Daytona, as quatro viaturas oficiais abandonaram, a última a sucumbir tendo rolado durante mais ou menos… 18 horas. Estava então no comando com quase 45 voltas de avanço (aproximadamente, uma margem de segurança de 90 minutos) sobre o Lola de Donohue, constatação que, como se imagina, só podia aumentar a desilusão do momento. Pequena consolação: a razão dos 4 abandonos era a mesma para todos, a rotura de um dente de engrenagem em liga leve, engrenagem que, recebendo o seu movimento da cambota, está situado num veio intermédio e comanda as árvores de cames por via das correntes e a bomba de óleo, sendo evidente que se os nossos ensaios de Monza tivessem sido levados até ao fim, tal rotura não teria deixado de se produzir. É evidente que logo que regressámos à fábrica, todas as engrenagens em liga foram substituídas por elementos em aço.
Foi ainda durante esta corrida que todos os nossos pilotos foram mais ou menos incomodados pelos gases dos escapes devido às vibrações do motor no seu regime crítico. Este incidente ninguém o esperava, ninguém também o podia prever porque em Monza, tais regimes não eram senão raramente atingidos, devido a relações de caixa completamente diferentes.”


Sebring: uma verdadeira epidemia

“Em Sebring, a experiência foi útil, nenhum motor nos causou o menor problema; foi contudo o falhanço completo dos nossos chassis.
A este propósito, é preciso lembrar que o primeiro dos nossos spiders 908 que se iniciaram em Sebring tinha sido acabado nos primeiros dias de Janeiro, pouco antes da sua apresentação à imprensa, na pista de Hockenheim.
Em Hockenheim, justamente durante os primeiros contactos, o comportamento do carro pareceu perfeito aos nossos pilotos, mas como se tratava apenas de um primeiro ensaio, toda a equipa se deslocou em breve para a pista especial de Weissach, lá onde todas as nossas viaturas realizam testes especiais. Infelizmente, uma importante camada de neve bloqueava o circuito e tornava inutilizável a pista com arestas, especialmente concebida para submeter os automóveis às vibrações mais fortes. Por meio de sal, areia e com a ajuda de vassouras conseguimos limpar a pista. Só tivemos tempo para descansar porque logo de seguida uma nova borrasca cobriu inteiramente o circuito. Era preciso tomar uma decisão. Os preparativos para Sebring foram então consideravelmente antecipados, sendo nossa intenção submeter dois modelos a ensaios intensivos directamente na pista da Florida.
O azar atingiu-nos novamente desta vez. Um período de 16 horas foi-nos concedido para procedermos aos ensaios e, durante 9 horas, a chuva veio estragar tudo. O optimismo parecia porém possível porque durante as abertas, as viaturas não tinham revelado deficiências importantes e contávamos também com a extensão muito grande dos ensaios oficiais para evoluir as nossas afinações. Em corrida, o empirismo é raramente compensador e o optimismo deve ser moderado, e ninguém podia ignorar que depois de 5 horas de treinos um dos chassis tinha cedido no ponto de ligação com as suspensões traseiras.
Ironia da sorte, foi a nossa equipa mais… calma (Hans Herrman-Kurt Ahrens), quem primeiro parou com o chassis partido. Poder-se-ia pensar que não se tratava senão duma falha acidental e única, quando Siffert parou, ele também, pelas mesmas razões. Seppi, encontrava-se então em má posição porque, pouco tempo antes, tinha sido necessário reparar o ponto de ancoragem duma suspensão dianteira danificada quando de um choque com um rail de segurança. Não foi o caso felizmente de Mitter, que chegou alguns instantes mais tarde com uma ruptura, ele também, do chassis. Ainda que tivesse sido já necessário reparar a suspensão traseira da sua viatura, Mitter continuava bem colocado, o que levou os nossos mecânicos a tentar uma reparação de emergência.
Providenciaram-se duas barras em aço que aparafusadas entre si, amarravam a zona rachada e Mitter pode voltar a partir com, é verdade, uma parte traseira assaz insólita. A unidade de Stommelen-Buzzeta foi sujeita pouco depois ao mesmo tratamento tendo conseguido, pelo menos esta viatura, terminar a prova e salvar 4 pontos graças ao seu 3º lugar. Uma única viatura 908, conduzida por Elford-Attwood, escapou à epidemia de roturas sem que, mesmo assim, Elford e Attwood tivessem conseguido ser poupados pelo azar. Para começar, Elford perdeu uma asa estabilizadora, parando mais tarde com o depósito de óleo fendido na sequência de um choque com o cimento rugoso.”


Brands Hatch: astúcia e renovação

“Acabávamos de perder as duas provas americanas que tinham visto o nosso domínio no ano anterior. O moral, é preciso dizê-lo, estava no ponto mais baixo. Era-o tanto mais que, na estreia, o novo Ferrari 312 tinha-se classificado em 2º lugar depois de se ter mostrado tão rápido como os nossos melhores spiders e que o próximo encontro deveria ter lugar em Brands Hatch, um circuito no qual, por duas vezes consecutivas (em 1967 perante a Ferrari e em 1968 perante a Ford) tínhamos perdido o campeonato.
Abril era também a época que via arrancar, não sem algumas hesitações, a produção do nosso 917, todos estes problemas ocorrendo ao mesmo tempo não podiam contribuir para reforçar a confiança de um serviço de competição assoberbado de trabalho. O tempo também faltava. Não era questão de, num prazo tão curto se construir um novo chassis e de o ensaiar normalmente; era preciso agir depressa. Uma solução foi encontrada que, finalmente, deu satisfação.
Em vez de nos limitarmos a reforçar os tubos deficientes, os nossos serviços técnicos decidiram montar na traseira a mesma pirâmide tubular que era utilizada nos modelos 908 de cauda longa. Esta estrutura tinha sido abandonada no intuito de ganhar peso mas apesar dos dois quilos suplementares, apresentava a dupla vantagem de estar ensaiada e também de poder adaptar-se directamente aos nossos chassis curtos. 
Feito isto os nossos serviços debruçaram-se sobre o problema espinhoso dos abastecimentos que, em Brands Hatch, operam-se manualmente. Como reabastecer depressa sem perder carburante? A solução dependia de dois bidões estando um completamente cheio montado na perpendicular do tubo de enchimento. Utilizando uma “cana” fornecida pela organização, era possível encher os reservatórios, depressa e sem receios, sendo o excesso de líquido directamente evacuado para um dos jerricans ligados à conduta de enchimento.
Desta vez, estávamos seguros embora desde os ensaios uma evidência se colocasse a todos. No circuito muito sinuoso o Ferrari 312P mostrava-se ainda mais rápido que os nossos spiders. Só Joseph Siffert parecia capaz de sustentar o ritmo do carro vermelho mas poderia ele sustentar o ritmo até ao fim? Seria Redman capaz de demonstrar a mesma rapidez? Da resposta a estas questões dependeria a sorte desta terceira corrida.
Era necessário colocar todos os trunfos do nosso lado razão pela qual, (pela primeira vez na história desportiva da nossa marca) Siffert foi autorizado a testar oficial e publicamente os pneumáticos Firestone R125 para seco e B11 especiais para chuva. O tempo de se habituar e o nosso piloto ganhou 1’’ 5 s,  sobre o melhor tempo anterior realizado em seco com o Dunlop de seco 184!
É preciso reconhecer que tínhamos igualmente ensaiado os Dunlop de chuva tipo 970 mas, por falta de tempo (ainda…) o equilíbrio destes pneumáticos deixava a desejar e Siffert, que sentia vibrações anormais na direcção decidiu encurtar os ensaios e não realizou mais do que duas voltas. Decidiu-se então que apenas Siffert e Redman, a nossa equipa de ponta, iniciaria a corrida com os Firestone.
Estes Firestone usavam-se, aliás, muito rapidamente e tínhamos contado que um jogo completo não poderia aguentar mais que três horas, e em Brands Hatch onde a área dos stands é limitada era impensável poder efectuar ao mesmo tempo uma troca de pneus a um carro e o abastecimento a um outro. Como as nossas quatro viaturas deviam parar todos os 90 minutos e aproximadamente ao mesmo tempo, mais valia apostar na economia de tempo e poupar o equipamento. Os pneus Dunlop que se usavam menos rapidamente, foram portanto conservados em três dos automóveis.
Foi também decidido que salvo um caso de uso anormal, os pneumáticos dianteiros de Siffert seriam mudados depois de 1 h e 30 de corrida, os de trás ao fim de 3 horas e de novo o trem dianteiro quando do ultimo abastecimento (4 horas). Desta forma os mecânicos procederiam ao levantamento de um único eixo nas operações clássicas de abastecimento.
Pensávamos ter feito aí, um bom trabalho de preparação, mas faltava-nos enfrentar os imponderáveis. Surgiram-nos cedo e mesmo antes da partida! Os mecânicos aqueciam o motor de Siffert quando nos apercebemos de que um circuito de alimentação não funcionava. Três causas poderiam ser responsáveis: controlador electrónico, distribuidor ou bobine; em primeiro lugar o sistema de controlo foi mudado sem resultado, depois o distribuidor, também sem resultado. Como já não dispúnhamos de tempo suficiente, ficámos por aí.
Siffert, com um handicap de 300 a 400 r/min em linha reta, poderia bater o Ferrari? Confesso ter duvidado. De regresso à fábrica, a origem da avaria foi enfim esclarecida: o controlador electrónico era efectivamente a causa, mas ao mudar a peça apressadamente, não a tínhamos montado correctamente. Sabe-se como se desenrolou a corrida. O Ferrari, com uma boa partida foi atrasado com um pneu a esvaziar-se e depois não mais voltou a recuperar o ritmo dos treinos. Todas as nossas paragens, abastecimento-pneumáticos foram realizadas a bom ritmo, e se Stommelen perdeu tempo, isso aconteceu porque foi necessário retirar o seu reservatório direito danificado por um pedaço do Lola (desintegrado) de Joachim Bonnier.
O campeonato finalmente arrancava!
De Brands Hatch,as viaturas foram então encaminhadas directamente para o Nurburgring a fim de proceder a diferentes regulações no spider.
A parte sul do circuito encontrava-se à nossa disposição, o que foi suficiente, porque uma simples regulação de amortecedores tornou o comportamento irrepreensível. Entretanto, e para os 1000 km de Monza, a fábrica preparava cinco modelos cauda longa, 4 inscritos e um quinto servindo de muleto.”


Monza: uma questão de pneus


“Desde os primeiros ensaios na pista italiana, todos os pilotos estavam de acordo: para resistir aos Ferrari era preciso utilizar os Firestone. Fizemos isso mas os Ferrari mostraram-se ainda mais rápidos que os nossos carros e Siffert foi novamente designado para lhes dar caça.
Joseph partiu em segunda posição e, durante o primeiro quarto de hora de corrida tudo se desenrolou como previsto. Volta a volta, Jo e os dois carros vermelhos dividiram o comando. Foi possível, em contrapartida, verificar que os nossos carros de cauda longa eram mais rápidos que os 312 em linha recta mas perdiam a vantagem nas curvas rápidas e foi preciso que Siffert estivesse verdadeiramente numa forma excepcional para fazer jogo igual com os italianos.
Finalmente os pneumáticos forçaram a decisão causando a derrota dos 312. Nós mesmos, é preciso dizê-lo fomos prejudicados. Schutz foi o primeiro a parar e pouco antes do fim da corrida, Vic Elford vitima de um rebentamento, safou-se miraculosamente dum acidente que danificou totalmente o seu carro. Vic, que fazia sempre equipa com Attwood foi entretanto classificado.
Mitter por sua vez, teve problemas de caixa de velocidades, devido a uma pastilha de plástico que liga o manipulo de mudança de velocidades ao veio secundário, se ter partido. Mitter, saltou uma velocidade e não conseguiu evitar o sobreregime. Este pequeno relé era constituído por duas peças coladas e foi decidido em seguida utilizar um relé totalmente talhado directamente na massa.
Antes do seu acidente, Elford tinha também partido duas correias de ventilador. É um problema que nos preocupou constantemente sem que pudéssemos descobrir uma solução satisfatória. Um tal incidente nunca ocorre no banco de ensaios porque não podemos simular os choques ou golpes provocados por mudanças rápidas de velocidade assim como as acelerações brutais  e súbitas que daí resultam para o ventilador.”


Targa: o pior e o melhor

“Veio então o Targa Florio. As dificuldades do traçado são conhecidas por isso um carro de treinos juntou-se aos restantes carros oficiais. Aqui, utilizámos os Dunlop especiais encomendados no início do ano. Tratava-se de pneumáticos com piso tradicional mas com flancos reforçados por uma goma capaz de resistir a pedras, beiras de passeios, até mesmo a contactos com pilares brancos que circundam ¾ do circuito. Elford quis mesmo assim experimentar os Firestone mas na sua 4ª volta bateu duramente e o seu carro (viatura de treinos) ficou completamente destruído.
Um segundo acidente ocorreu pouco depois. Redman, que abordava uma curva a grande velocidade sentiu a sola do sapato a escorregar no pedal de travão coberto de óleo. O respirador do reservatório de óleo não tinha sido encaixado; o carro acabou no barranco com uma suspensão dianteira e alguns tubos do chassis danificados, mas tudo pode ser reparado suficientemente cedo para a corrida.
Durante esta corrida, Vic Elford teve direito à rotura clássica da correia de ventilador e é provável que esta falha lhe tenha custado a sua segunda vitória siciliana. A viatura que Herrman e Stommelen tripulavam foi também afectada por problemas de direcção, mas foi a equipa Larrousse-Lins que pagou o preço mais alto pela quebra de um pequeno parafuso cujo ângulo de ataque não era o correcto. Este parafuso, que faz parte do comando de caixa, não podia ser mudado porque uma extremidade ficou alojada na rosca. Larrousse e Lins continuaram, pararam frequentemente, e terminaram apenas com uma mudança de caixa a duas voltas do vencedor. A viatura de Redman-Attwood não pode fazer o mesmo visto Attwood ter saído de estrada na oitava volta.
O balanço foi positivo, ainda que esta vitória esmagadora tenha sido facilitada pela ausência duma concorrência à altura. Ferrari não alinhou, enquanto que o Alfa Romeu 2,5 L de Vaccarella- De Adamich não era suficientemente rápido; abandonou aliás desde o início da prova. Quanto aos dois litros, Elford abalroou um atirando-o para fora da estrada, um único carro italiano, um 33-2L, de Pinto e Alberti intercalou-se entre os nossos quatro 908 oficiais e dois modelos 907.”


Spa: a má estreia do 917

“Os dados pareciam totalmente diferentes à nossa chegada a Spa.
Tínhamos escolhido este rápido circuito para estrear o 917. Infelizmente e como acontece muitas vezes nas Ardenas, a chuva não nos permitiu fazer os ensaios e uma afinação correcta. Instável e mesmo francamente perigoso (sobretudo à chuva) nas curvas, o 917 não se comportava muito melhor em linha recta. Siffert optou então pelo 3L de cauda longa e Mitter associado a Schutz tomou o volante do 917. No fim dos ensaios, um período seco permitiu proceder finalmente a ensaios de pneumáticos. Enquanto que o 917 de Mitter-Schutz conservava os Dunlop, todos os três 908 foram equipados de Firestone, não porque estes pneus se revelassem mais rápidos mas porque asseguravam melhor comportamento em linha recta.
Uma vez mais, a concorrência principal chegava de Modena e, uma vez mais Siffert entreteve-se a dar caça aos carros vermelhos.
O início da corrida foi mau para nós. O 917, provavelmente devido a um sobre regime ocorrido mesmo antes da partida, não completou senão meia volta enquanto Elford e Herrmann perderam muito tempo com pneumáticos mal calibrados.
Desta vez ainda pudemos constatar como os Ferrari de carroçaria aberta se mostravam mais rápidos do que os nossos coupés de cauda longa, o que já tínhamos constatado quando dos ensaios preliminares em Le Mans onde o Ferrari e mesmo o spider Matra nos dominavam em velocidade pura. Em Monza igualmente, o Matra tinha mesmo feito jogo igual com os nossos coupés. Estas constatações decidiram-nos a rever a carenagem do 908, o que foi feito para o Nurburgring onde o coeficiente de arrasto da nossa nova carroçaria se situava em 0,57 contra os 0,70 dos spiders de origem.”


Nurburgring: o título no bolso

“Os 1000 km do Nurburgring que podiam ser decisivos para a atribuição do título, foram, como se calcula, cuidadosamente preparados, tanto no sector sul como no circuito norte. A equipa dispunha de dois antigos spiders tipo Targa Florio, e cada uma destas viaturas fez mais de 1000 km; pneus, travões, consumos, tudo foi ensaiado e calculado. Tudo ia bem quando Siffert, então ao volante duma das novas viaturas, travou tarde demais na aproximação a Mullenbach (sector sul) e saiu da estrada. Foi o primeiro problema de uma série bem fornecida. Seppi saiu ileso, mas era impossível reconstruir o automóvel. O nosso número 1 teve que se contentar do carro suplente, o spider Salzburgo.
Outro problema, e desta vez durante os ensaios oficiais: Elford saiu de estrada no quilómetro 13. É preciso dizer que o comportamento dos nossos novos modelos diferia consideravelmente do dos spiders tipo Sebring. Podia contar-se com mais 15 kmh em linha recta.
Com o segundo novo carro fora de combate, foi preciso sortear para saber a equipa que iria partir no terceiro e único carro novo. Herrmann e Stommelen foram os eleitos.
 Quanto ao 917, na medida do tempo disponível, tinha sido revisto (novas molas de suspensão, amortecedores regulados, travões reforçados) mas não despertava muito interesse nos nossos pilotos oficiais. Comparado com o spider 908, o 917 mostrava-se menos leve, inquietante mesmo em todas as zonas piores do circuito e muito instável na travagem. Todos os nossos pilotos queriam ganhar, nenhum estava pronto para sacrificar as suas hipóteses. Em desespero de causa, Hahne e Quester vieram socorrer-nos e em condições muito difíceis, mostraram-se seguros e rápidos, mas a autorização para correrem foi-lhes retirada pela sua marca. Rico Steinemam teve que se pôr em campo. David Piper e Frank Gardner que tinham coberto, debaixo de chuva, um número de voltas regulamentares, foram inscritos. Classificaram-se 8º na geral, depois de uma pilotagem segura mas relativamente lenta.
Os seis spiders 908 ficaram todos classificados à chegada, e, no meio dos inevitáveis pequenos problemas, citaremos apenas um furo no carro de Schutz (início da corrida), assim como uma reparação muito rápida da suspensão dianteira no spider então conduzido por Mitter.
Nos seis modelos inscritos e classificados, quatro foram calçados com Dunlop e dois com Firestone.
Com esta vitória, conseguimos apoderar-nos do título. Era tempo, porque a série foi interrompida em Le Mans.”


Le Mans: grandeza e decadência

“Tudo parece ter sido dito e escrito sobre esta corrida e a sua chegada histórica, vou apenas confinar-me aos problemas.
Os 917 em primeiro lugar. Estes carros conheceram ambos, problemas de embraiagem; Stommelen conseguiu aguentar 9 horas mas a nova embraiagem, que foi montada em seguida não resistiu muito mais. Elford, conduzindo mais moderadamente, resistiu 20 horas, mas quando o carro foi desmontado, apercebemo-nos de que a caixa também estava partida. As embraiagens foram examinadas e foi então que descobrimos que, se a tensão da mola era suficiente com uma embraiagem nova, já não o era depois dos pratos terem acusado um uso apenas normal. A embraiagem então patinava e aquecia o que inevitavelmente provocava o descolamento do material de fricção. Ainda nos 917, tivemos também problemas de travões (carro de  Elford- Attwood), e foi preciso ventilar o circuito dos travões dianteiro, pois o líquido tinha tendência a ferver. Nas duas viaturas, detectámos ainda alguns pequenos problemas de pneus, mas mesmo assim pouco importantes.
Nos 908, a panóplia de problemas foi ainda mais completa.
Joseph Siffert tinha escolhido o spider de cauda comprida, modelo novo oriundo do protótipo inscrito no Ring e cujo coeficiente de arrasto tinha descido de 0,50 para 0,36. Comparado com os modelos de cauda longa (coupés), este novo spider era igualmente rápido porque recuperava facilmente em curva e em aceleração o que perdia no fim da longa recta. Siffert e Redman confirmaram aliás o valor do seu material: estavam na liderança quando, apenas ao fim de 4 horas de corrida, Joseph parou com uma embraiagem queimada. A pesquisa aerodinâmica tinha a responsabilidade deste abandono porque ao procurar prolongar demasiado a carroçaria traseira, a transmissão não era mais ventilada convenientemente. Resultado: as pequenas condutas de plástico que ligam a bomba às condutas de lubrificação, dilataram sob o efeito do calor e finalmente romperam-se. Com as engrenagens a funcionar a seco foi a pane irremediável. Nos coupés de cauda longa, tal incidente não se podia produzir porque as condutas especiais canalizavam o ar fresco para os travões e caixa mas foi a transmissão que provocou o abandono de Lins- Kauhsen quando se preparavam para suceder na liderança da corrida, a Elford e Attwood. Depois da desmontagem, descobriu-se que um carreto foi afectado e tal avaria poderia ter atingido igualmente Larrousse-Herrmann como nos apercebemos mais tarde. É verdade que os problemas de rolamentos de rodas foram frequentes na nossa equipa franco alemã. Este maldito rolamento custou-nos a vitória mas ensinou-nos também que o encaixe interior do rolamento devia ser montado sem folga sobre o eixo senão poderia provocar uma ovalização devida a aquecimento excessivo.
Tudo isso, poderíamos tê-lo descoberto se, seis meses mais cedo os nossos ensaios de resistência não tivessem sido interrompidos em Monza. E para fechar este capítulo Le Mans, é necessário acrescentar que se todos os 917 foram equipados com Dunlop, Firestone e Dunlop dividiam entre si os 908: Siffert-Redman e Lins-Kauhsen com os pneus americanos, Herrmann-Larrousse e Mitter-Schutz com os britânicos.”


Um final em roda livre

“Privadas de competitividade, as últimas provas do campeonato foram contudo animadas. Em Watkins Glen, dois spiders 908 de fábrica e um modelo privado figuravam na linha de partida, as três viaturas tendo terminado nos três primeiros lugares sem conhecerem o mínimo problema.
Ao mesmo tempo um 917 foi conduzido no traçado sul do Nurburgring. Os resultados foram satisfatórios mas apesar dos vários dias de trabalho árduo nunca foi possível igualar os tempos realizados neste mesmo traçado pelos spiders.
Em Zeltweg, enfim, o 917 foi inscrito face a uma concorrência de valor compreendendo o Mirage Ford, um bom Matra, os Lola, Alfa, etc. O nosso 917 apresentava ainda vários defeitos: travagem pouco eficaz, comportamento muito aleatório, sobreaquecimento das bombas de combustível. Para mais, a torção dos perfis estabilizadores montados na dianteira, modificava o comportamento ao longo da prova.
Todos os melhoramentos foram introduzidos durante os ensaios oficiais, a boa posição (finalmente encontrada) dos estabilizadores implicando uma alteração da carroçaria na dianteira permitiu melhorar o comportamento. Em seguida, foi necessário rever completamente a ventilação do cockpit e procurar reduzir o consumo, o que foi feito graças a um novo desenho do escape, desenho muito complicado mas, à priori, eficaz. Com um pouco de sorte concordamos, o 917 venceu a corrida.
Depois, os trabalhos continuaram. Melhoramentos na carroçaria (na traseira) foram empreendidos e é verdadeiramente na sua forma Hochenheim 1969 que o 917 iniciará dentro de dois meses, as 24 Horas de Daytona. Mas essa é já uma outra história.”


Uma mesa recheada de problemas 


1. Transmissão do 908 de Lins-Kauhsen, nas 24 Horas de Le Mans
2- Rolamento de Lins-Kauhsen e Herrmann-Larrousse, nas 24 Horas de Le Mans
3- Engrenagem em liga leve dos motores dos 908, em Daytona
4- Relé em plástico do comando de caixa de Mitter-Schutz, nos 1000 Km de Monza
5- Carter de direcção de Mitter-Schutz,  no Targa Florio
6- Condutas de óleo furadas, do spider  de Siffert-Redman nas 24 Horas de Le Mans
7- Peça danificada da caixa do carro de Lins-Larrousse, no Targa Florio
8- Embraiagem do 917 de Stommelen-Ahren,s nas 24 horas de le Mans



Substituição da embraiagem de Stommelen-Ahrens nas 24 Horas de Le Mans


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