Visita ao ninho da águia - Um encontro com Dan Gurney
(reportagem L'Automobile, ano 1970)
Uma cidade com sonoridade espanhola como quase todas as que surgiram do Estado da Califórnia retirado ao México e ligado aos Estados Unidos em 1848, uma espécie de Monfort-L'Amaury à americana construída no sudeste de Los Angeles, uma cidade soalheira onde, segundo os prospectos turísticos, a chuva só aparece onze dias do ano, em resumo, uma cidade pacífica onde seria agradável ficar algum tempo: é Santa Ana. Ao sul da Broadway (nos Estados Unidos, a maior parte das cidades têm uma Brodway) que corta a cidade em duas metades, no número 2334, uma construção baixa não se distingue em nada das garagens e estações de serviço das vizinhanças; são os ateliers de All American Racers. Destas paredes saem os Eagle destinados a diversas formulas de competição, monolugares cuja dianteira lembra a forma de um bico de águia.
O último Eagle (chassis 104) e também o mais recente da linhagem dos fórmula 1 saídos da AAR faz agora parte da colecção Briggs S. Cunningham. Antes de ir para o museu, Dan Gurney utilizou-o pela última vez no ano passado por ocasião do GP da Alemanha em Nurburgring.
Como a fórmula 1 constituiu o projecto número 1 de Gurney quando iniciou a construção dos seus próprios bólides, a produção dos F1 foi agrupada sob a designação de modelo 10. Entre 1 de janeiro de 1966 e os últimos meses de 1968, correspondendo às actividades da AAR sob a égide da fórmula 1 de 3L, quatro séries foram realizadas (excepção da série 11 que representa o protótipo).
A série 12 designa a primeira viatura operacional dotada do 4 cilindros Coventry Climax 2,7L, motor derivado da antiga fórmula 1 2,5L, utilizada depois nas provas da série Tasmania. Esperando a saída do V12 Weslake, iniciou -se em Spa e foi utilizada por Dan Gurney em algumas provas do campeonato mundial de inícios de 1966 antes de ser vendida ao canadiano Al Pease que a usou ainda recentemente no GP do Canadá. A série 13 (chassis 102 e 103) foi constituída por dois exemplares e designa a primeira versão de 12 cilindros. Fez a sua aparição no GP de Itália com Gurney claro que prosseguiu a sua afinação no decurso dos últimos GP inscrevendo uma segunda viatura idêntica à sua para Bob Bondurant no México. Enquanto esta era conservada na AAR, a viatura de Dan foi de seguida vendida à ecurie Filipinetti no início de 1967. Era destinada a Herbert Muller para a época de fórmula 1 contudo inscrita em nenhuma prova do campeonato. A série 14 corresponde aos primeiros chassis magnésio e titânio realizados em colaboração com a firma Harvey aluminium. Paralelamente Gurney introduziu algumas modificações no chassis e na suspensão traseira. Esta novidade teve a designação de série 15, de tal forma que estes melhoramentos (série 14 para a utilização de ligas especiais para o chassis e série 15 para a suspensão traseira) concretizaramm-se num único modelo (chassis 104) que efectuou oficialmente as suas primeiras voltas no GP da Holanda de 1967. No GP de Mónaco esta viatura foi equipada de um novo motor V12 empregando magnésio e titânio e cuja realização se deveu a Aubrey Woods (um antigo engenheiro de BRM). A aparição como a nova designação deste novo motor (Eagle MK 1A) significava o divórcio entre a AAr e Harry Weslake.
Código do patrão
Antes de passar revista aos diferentes chassis produzidos pela AAR, é necessário precisar o modo de reportório adoptado.
Cada tipo de fórmula ou cada nova viatura saída para uma fórmula já existente, é afectada por um número composto de dois números, espaçado de dez em dez. Exemplo: a série dos fórmula 1 pertence à designação de modelo 10. Em seguida, as modificações marcantes introduzidas no modelo no decurso da época ou mesmo em várias épocas, se esse não fosse renovado, são referidas como nova série. Exemplo: sempre partindo da fórmula 1, se o protótipo é registado como série 11, a primeira versão operacional equipada de um 4 cilindros tem a designação de série 12. Enfim, cada viatura produzida no interior duma série é afectada de um número de chassis tendo como base a centena. O primeiro fórmula 1 foi registado com o número 101, série 12, modelo 10.
Dito isto, a produção dos fórmula A (fórmula equivalente à introduzida em Inglaterra no início da época com a designação de fórmula 5000) iniciou-se no decurso dos primeiros meses de 1968, com a designação de modelo 50. Como acabámos de ver a série 51 servindo para designar a primeira versão, era equipada de um V8 Chevrolet 5 litros. Foi construída em dois exemplares. A série 52 que se distingue da precedente pela utilização de de um V8 Chrysler saiu simultaneamente. Somente duas viaturas foram produzidas nesta versão. Aparecida um pouco mais tarde, a terceira série (53) diferencia-se pela redução sensível das vias dianteira e traseira. Quando da nossa visita em outubro, dez chassis da série 53 (de 505 a 514) tinham sido construídos o que resulta em 14 viaturas de fórmula A saídos da AAR.
Novidades 1970
Dan Gurney é um homem previdente. Quando 5 meses ainda nos separam das primeiras sessões qualificativas das 500 Milhas, a Eagle Indianápolis 1972 já iniciou os seus privados na pista de Ontario. Se a linha da nova viatura não deixa de nos lembrar o Mclaren M16 de 1971 (silhueta geral, implantação dos órgãos principais, etc), encontram-se ainda assim algumas inovações de entre as quais a mais aparente e espectacular também é a dos radiadores. Estes, e como o querem os novos cânones em matéria aerodinâmica, são montados lateralmente (permite respeitar uma forma de carroçaria em cunha), mas encontram-se colocados logo atrás das rodas dianteiras. Esta viatura é, bem entendido, equipada do motor Offenhauser 2,7 L que na sua versão turbo, deve, este ano, debitar a bagatela de 820 cavalos a 9100 rotações.
Se o jovem Swede Savage, completamente recuperado do seu acidente, deixou a organização Gurney, Bobby Unser, vencedor em Eagle das 500 milhas de 1968, será, bem entendido, elemento nº 1 da formação californiana.
Modelo Indy 1970
Principais características técnicas:
Chassis: monocoque em liga de aluminio com estrutura tubular na traseira.
Suspensão: triângulo inferior clássico, barra anti-rolamento, combinados amortecedor-mola in-board na dianteira. Atrás, dupla biela inferior, braço superior com braço de força duplo, barra anti-rolamento. Combinado mola-amortecedor.
Travões: disco em todas as rodas.
Transmissão: caixa Hewland
Dimensões: distancia entre eixos, 259 cm. Via dianteira 160 cm. Via traseira: 147,3 cm.
Peso: 610 a 630 Kg
Artigo de fundo: Dan Gurney (reportagem L'Automobile, ano 1970)
Seguindo o caminho de antigos pilotos como Enzo Ferrari, John Cooper, Colin Chapman e Carrol Shelby ou mesmo ainda pilotos ainda em actividade (Jack Brabham e Bruce Mclaren) Dan Gurney constrói as suas próprias viaturas desde há já 5 anos. Com apenas algumas unidades, o pessoal tal como a área pouco mudaram desde então; Como nos seus inícios, Gurney emprega uma trintena de pessoas, homens apaixonados que na maior parte o seguem desde a inauguração dos seus ateliers.
ainda hoje, a AAR (All American Racers) é uma pequena empresa cujo renome assenta na popularidade do patrão e o seu sucesso é um pouco a imagem do grande Dan. Um sucesso engendrado por uma simpatia suscitada por este campeão sem coroa e ligado ao talento polivalente dum homem que, mesmo nos seus maiores momentos de glória, aceitou viver uma nova experiência, tentar uma nova aventura, qualquer que seja a fórmula; seja a corrida de carros de série melhorados (tipo Stock Car ou Trans Am ) seja a Fórmula 1 a fórmula Indianápolis, dos simples GT aos monstros da Can Am passando pelos grandes protótipos, Gurney foi sempre inspirado pela mesma alegria de correr... pelo prazer.
Quando se lhe fala em retirar-se ele responde simplesmente que deixará de correr quando a condução em corrida cansar.
Hoje, depois de um pouco mais de dez anos duma carreira que não parece ter chegado ao fim, Gurney mesmo sem um título de campeão do mundo ( a sua melhor classificação foi o segundo lugar em 1961) não deixa de ter um palmarés prestigiado que põe em evidência o seu temperamento generoso: retemos as suas seis vitórias em Fórmula 1: Solitude fora de campeonato e Rouen em Porsche em 1962; ACF de novo e ainda em Rouen desta vez em Brabham, e México em 1964; corrida dos campeões (1ª vitória em Eagle) e GP da Bélgica em Eagle também em 1967. Em Stock Car, inscreveu seis vezes o seu nome no palmarés das 500 Milhas de Riverside (das quais 4 vezes consecutivas de 1963 a 1966), uma prova que abre tradicionalmente a estação e constitui com as 500 Milhas de Daytona o maior meeting da especialidade. Mas no nosso coração de europeus a sua maior e também mais bela vitória foi a das 24 Horas de Le Mans de 1967. Associado ao seu compatriota Anthony Joseph Foyt ao volante do Ford MK IV oficial nesse ano, os dois americanos pulverizaram todos os recordes e esta vitória é tanto mais surpreendente quanto foi obtida por dois corredores de pista no sentido mais nobre do termo.
Quando se recorda a carreira de Gurney, muitas vezes não podemos deixar de lhe atribuir uma certa infelicidade. Se, como todos os pilotos, ele conheceu períodos negros, não se tratou de infelicidade no sentido verdadeiro do termo. Dan, é com efeito o primeiro a reconhecer que a foi dispersão e sobretudo não ter conseguido seguir o desenvolvimento de um modelo mais do que durante duas épocas no seio de uma mesma marca, em Formula 1 por exemplo, que está na base deste palmarés irregular.
Quando da nossa passagem em Santa Anna, Dan Gurney não estava lá. Estava em Riverside para os ensaios do Los Angeles Times GP disputado em formula Can Am. Fomos recebidos por Bruce Junor, o responsável dos programas esperando poder reencontrar o patrão.
O AAR funciona sob a responsabilidade de Max Muhleman que ocupa o posto de director geral enquanto que toda a parte de motores está sob o controlo de John Miller que trabalha com Gurney desde os seus inícios.
No domínio da produção, a AAR persegue dois programas: Formula Indy e Formula A. No que se refere a preparação, ocupa-se da reconversão dos turismo de série ou séries limitadas em versão Stock Car e Trans Am. Enfim, há a Can Am onde na impossibilidade de construir o seu próprio carro, Dan contenta-se nesta época em amelhorar um Maclaren M6B. Eis os bólides. Do lado dos motores, além da preparação dos grupos destinados às diferentes fórmulas, a actividade mais rentável é fornecida pela comercialização das cabeças Gurney-Eagle. Estas, são igualmente desenvolvidas nos pequenos ateliers que a AAR detém em Ashford no condado de Kent, na Inglaterra, desde 1968.
No plano financeiro, a AAR beneficia do concurso de vários anunciantes diretamente, por vezes mesmo indiretamente ligados à competição como é o caso dos estabelecimentos Olsonite, uma empresa especializada na produção de acessórios sanitários (artigos de casa de banho). Recebe igualmente apoios de firmas como a Castrol e Goodyear.
Desde que a Fórmula 1 foi abandonada, as actividades da AAR são essencialmente centradas em Indianápolis, uma prova que Dan espera secretamente vir a ganhar pelo menos uma vez. Duma maneira mais geral, estas actividades relacionam-se com a produção de viaturas para a Fórmula USAC. É aliás nesta disciplina, essencialmente americana que Dan Gurney construtor obteve as suas maiores satisfações. Em 1966 pela primeira participação das viaturas com bico de águia, ainda que nenhuma das cinco viaturas alinhadas tenha atingido a meta, a demonstração de Lloyd Ruby que completou 65 voltas na dianteira, foi das mais encorajantes. Enquanto no ano seguinte o novo rookie Denny Hulme alcançou um excelente 4º lugar, em 1968 Gurney classificou-se em 2º. Este ano, sem os seus problemas de pneus ocorridos com Hulme a duas voltas do fim, a marca teria conseguido a tripla.
O programa Indy está sob a responsabilidade de Bill Fowler que assegura a construção das viaturas em colaboração com a firma Harvey Alluminium especializada na produção de ligas leves. Para a próxima estação, a AAR prevê uma viatura sensivelmente modificada cujo projecto é ainda confiado a Len Terry. Esta viatura anunciada para seis exemplares será apresentada em Abril próximo. Como este ano, Gurney será secundado pelo jovem Swede Savage.
Tal como as cabeças, a produção dos Fórmula A constitui uma fonte de receitas. Aqui, sem excepção, a AAR deixa a iniciativa da participação aos seus clientes. Para 1970, não pretende inscrever piloto próprio assim como não pensa alterar os modelos conhecidos.
A terceira vertente do programa da AAR é fornecido pela Canam cuja direcção é assegurada por Phil Remington, antigo colaborador de Carrol Shelby que trabalha com Gurney desde os seus inícios.
Dada a preciosa colaboração que presta à FoMoCo sobretudo a partir de 1964 enquanto piloto e nas especialidades tão diferentes como a Formula USAC, GT, Sport, Protótipos, Canam e Stock Car à excepção da Formula 1, em contrapartida Gurney beneficia do apoio da Ford no fornecimento de motores. Mas para o meio da época por razões políticas (promessas relativas à preparação dos motores que não foram respeitadas, entrega atrasada de peças de substituição, etc) as relações com a Ford arrefeceram. Os primeiros sintomas de divórcio que não está completamente consumado (talvez fosse apenas em formula Indy) manifestaram-se na Canam. Iniciando a a série com um motor longe de ser competitivo e perante o projecto abandonado de um Ford de 8 litros, Gurney virou-se para a Chevrolet. Como o mesmo processo se reproduziu para a série Trans Am onde Gurney estava inscrito pela Ford com um Mustang para tentar contrariar a supremacia da Chevrolet com os seus Camaro (sobretudo o de Mark Donohue) a AAR acaba de anunciar que assegurará a preparação dos Plymouth Barracuda (divisão do grupo Chrysler) para as provas Trans Am do próximo ano No quadro das actividades da AAR , o programa Trans Am vem em segundo lugar atrás de Indianápolis.